Itaparica, a grande batalha – Final

06.12.1986 – Sexto dia da ocupação – Depois de anos de embate, as partes já se conheciam bem. Os trabalhadores conheciam o modus operandi da empresa e a pressa que tinha de cumprir os prazos de geração de energia definidos pelo governo. E usavam isso estrategicamente a seu favor.

No entender dos atingidos, quem causou o problema tinha obrigação de resolver, mas a Chesf só agia mediante pressão. Naquele dia 05 de dezembro, aqueles homens simples do campo, entraram na sala de reunião dispostos a ensinar à CHESF, de uma vez por todas, como resolver os problemas causados pela hidrelétrica, que nenhum deles havia pedido para ser instalada.

Não havia novidade na pauta, afinal, ela vinha sendo debatida por uma década. Faltava apenas definir critérios , prazos e operacionalização das propostas. A reunião, iniciada no final da tarde, se estendeu até às onze da noite. Após exaustiva discussão, praticamente tudo foi aprovado. Exceto três reivindicações, as principais. Não houve acordo. Deu-se por encerrada a reunião. O representante do Ministério seguiu para Paulo Afonso, de onde embarcaria na manhã seguinte de volta à Brasília.

Entre os acampados, a madrugada foi de negociação. Era urgente convencer os irredutíveis a abrir mão de algumas posições, em troca de outras conquistas. Só assim poderiam retomar as negociações, antes que fosse tarde demais. Cinco dias tensos, vivendo em condições precárias, dormindo no chão, enfrentando polícia, sol e sereno , não poderiam ter sido em vão. Manter a ocupação por mais tempo não ia ser fácil. Assim, decidiu-se abrir mão de alguns pontos, a fim de garantir outros mais importantes.

Urgentemente, Padre Alcides, de Paulo Afonso, foi enviado até o hotel onde estava o representante do ministério. Tinha como objetivo avisar sobre a disposição dos trabalhadores em ceder alguma coisa, desde que a Chesf fizesse o mesmo.

Assim, na manhã do dia seguinte, todos voltaram à mesa de negociação. Depois de muito discutir, os representantes dos trabalhadores concordaram em desistir da proposta de direito de lote para os filhos maiores de 18 anos que morassem com os pais. Em troca, propuseram o aumento do lote proporcional à força de trabalho da família. A Chesf acatou a sugestão.

Depois veio outra questão não menos complicada, a moradia. Diferente da área urbana, para os trabalhadores rurais , a CHESF só queria fazer casa de um vão. Uma salinha apenas, que chamavam de embrião, porque depois poderia crescer. Isso os agricultores não aceitavam. Não sabiam se iriam ter condições de sobreviver, muito menos de aumentar casa.

 Após muita conversa e acalorado debate, a  CHESF cedeu. Então definiu-se por quatro modelos de casa: quem não tinha nada receberia uma casa pequena, sem varanda. Quem já possuía um abrigo, por mais precário que fosse, teria direito a uma modesta casa com uma pequena varanda. Assim por diante, a casa seria aumentada até chegar no modelo de 70 m². O desafio da Chesf seria construir, em onze meses , as cinco mil casas que não foram construídas em dez anos. Mas isso, a direção garantiu ter condições de cumprir.

Por fim, restava definir o valor da Verba de Manutenção Temporária- VMT, a mais inovadora reivindicação. Os trabalhadores exigiam dois salários mínimos e meio, por família, até o lote começar a produzir. A diretoria da Chesf, que aprendera muito durante o processo, reconhecia a reivindicação como justa. Estava ciente de que, em pelo menos dois anos, não haveria lavoura produzindo nos novos lotes. Mas discorda do valor proposto. Depois de muito debate, chegou-se a um consenso por dois salários mínimos.

Entraves resolvidos. Conseguido no apagar das luzes , o acordo foi fechado depois de tantos anos de luta  travada no ambiente extremamente hostil da ditadura. Radiantes , os agricultores receberam a notícia . No carro de som o advogado do Sindicato lia os termos do acordo, sob vivas e aplausos dos presentes. Davi vence Golias. O impossível se realizou. O povo venceu a besta fera, diziam.

Em meio a euforia, homens e mulheres levaram de volta as pedras que eles mesmos haviam carregado para impedir o funcionamento da obra. Alegres, se dirigiam ao transporte que os levariam de volta para casa. Enquanto isso, Oliveira Lima, presidente da Chesf, era convidado pelos dirigentes sindicais a vistoriar a obra e recebê-la de volta, intacta.

Em entrevista à TV VIVA , que cobria o evento, Lima parecia satisfeito com o desfecho. E reconhecendo a justeza da causa e a importância da agricultura para o desenvolvimento do país, dizia esperar que nunca mais uma barragem causasse tantos prejuízos ao homem do campo.

De fato, o vitorioso movimento organizado pelos sindicatos dos trabalhadores rurais do submédio São Francisco, não garantiu somente o direito dos atingidos de Itaparica. Ele provocou mudanças na política de construção de barragens NO MUNDO. A partir de Itaparica, na concessão de empréstimos para grandes obras, o Banco Mundial passou a levar em conta o impacto social na análise de viabilidade dos projetos. Sobradinho nunca mais.

Por isso, o dia 06 de dezembro será lembrado na história, como o dia do acordo que ensinou ao mundo que o progresso só poderá ser considerado, como tal, se beneficiar a todos.   

Por Paula Francinete Rubens de Menezes, baseado em entrevista de Vicente Coelho , concedida à autora em janeiro de 2018 e em vídeo produzido pela TV VIVA.

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Itaparica, a grande batalha – Parte 4

05.12.196 –  Quinto dia de ocupação –  Na reunião comandada pelo Diretor de Obras ,José Carlos Aleluia, o clima era de respeito. A conversa se deu, de ambas as partes, de forma  dura, objetiva, sincera , mas sempre educada.

Sem alterar o tom, mas com firmeza na voz,   as lideranças sindicais  reafirmaram a posição do movimento: nada seria negociado sem a presença de um representante do Ministério de Minas e Energia. Não aceitariam mais  promessas. Queriam prazos definidos e o compromisso de que a barragem não seria fechada antes do reassentamento de todas as 7.000 familias atingidas.

Do outro lado da mesa, Aleluia reconheceu os atrasos no cronograma da Chesf com relação aos reassentamentos, elogiou a capacidade de diálogo dos ttabalhadores e se comprometeu em trazer  alguém do Ministério , conforme reivindicado. Mas, não deixou de registar a responsabilidade recaída sobre os trabalhadores, caso o patrimônio da Companhia sofresse algum dano. 

Cientes de que o prejuízo provocado pela obra parada tinha força de mover montanhas, no dia anterior , os agricultores haviam decidido parar a obra por completo. Funcionários das empreiteiras  cruzaram os braços em apoio ao movimento dos trabalhores rurais. Muitos eram filhos de agricultores da região e também tinham interesse no reassentamento. Então, ficou fácil. Aos poucos as máquinas do lado baiano foram paradas.

Mais tarde, um avião era visto sobrevoando o canteiro de obras, certamente avaliavam o tamanho do movimento. Na impossiblidade da presença do Ministro, que se encontrava fora do pais, um representante do Ministério de Minas e Energia chegava para a primeira rodada de conversa .  A ocupação ganhou as páginas dos principais noticiários.

Através das entidades católicas internacionais e outras organizações de classe, que apoiavam o movimento, a notícia correu o mundo. Nas tribunas das Assembleias legislativas , enfim, políticos defendiam o progresso, mas não com base no sacrifício das pessoas. O governo era instado a dar respostas. A arena estava pronta. O dia 06 de dezembro estava prestes a entrar para a história.

Por Paula Francinete Rubens de Menezes, baseado em entrevista de Vicente Coelho , concedida à autora em janeiro de 2018, e em arquivos da mídia.

Itaparica, a grande batalha – parte 3

03.12. 1986 –  Terceiro dia de ocupação – Nenhum sinal de negociação. Dos políticos representantes do município, a oferta ( não aceita) de ambulância depois de, na surdina, tentarem dissuadir correligionários a não participarem “daquela loucura.”

 Percebendo que a estratégia inicial não estava surtindo o efeito esperado,  depois de várias assembleias realizadas , os trabalhadores decidiram partir para o plano B. Ao sinal combinado, avisado na base do boca a boca , a multidão de homens e mulheres carregando nos braços as pedras da própria barragem, de repente obstruiu a passagem dos caminhões. Deste modo, antes mesmo da polícia entender direito o que estava acontecendo, conseguiram parar as obras no lado pernambucano.

Rapidamente,  a Chesf, que até então se mantinha calada, mandou chamar as lideranças para uma conversa. Resolveram aceitar, mas antes exigiam  a retirada da força policial. Em troca, garantem manter  respeito ao patrimônio da Companhia, desde que também fossem respeitados. Eram todos pessoas da roça, gente simples e séria, acostumados a considerar a palavra dada mais que qualquer documento assinado. A direção da Chesf sabia disso e precisava sinalizar em direção ao entendimento. A polícia,  que embora procurasse intimidar não chegou a fazer uso da força, recebeu ordem para se retirar.

Música e poesia animavam os acampados e ajudavam a distender a tensão. A primeira conversa estava marcada. Qual seria a postura da Chesf? O governo federal enviará representante ou reprimirá violentamente  o movimento? Esta pergunta  rondava a cabeça daqueles corajosos homens e mulheres, dispostos a tudo. Afinal, apesar da recente posse de um civil na presidência, a sombra demoníaca da ditadura repressiva ainda rondava o país. Em sua defesa , os trabalhadores dispunham apenas da lenha do fogão e  das pedras da barragem.  O dia seguinte prometia. 

Por Paula Francinete Rubens de Menezes, baseado em entrevista de Vicente Coelho concedida à autora em janeiro de 2018.

 

Itaparica, a grande batalha – Parte 2

02.12.1986 – Segundo  dia de ocupação – Barracas de lona haviam sido armadas no canteiro da grande obra que desde 1976 avançava, em descompasso com as providências relacionadas às questões sociais por ela provocadas. Cada município montou sua barraca.

No interior de cada uma delas, reuniões, comunicados e muita conversa. Questões levantadas e discutidas coletivamente, apresentadas pelas lideranças de cada sindicato, ajudava a atualizar  a todos sobre os acontecimentos do dia. A decisão era permanecerem acampados até a obter uma solução concreta e definitiva no atendimento ao que lhes cabia por direito. Disso ninguém abria mão. 

Os carros das empreiteiras seguiam transitando entre os acampados, cumprindo a rotina normal de trabalho. Numa cozinha improvisada, enquanto o café era servido, o almoço começava a ser preparado sob o olhar atento da polícia que de longe observava, reforçada pelo  batalhão recém chegado. Ao menor sinal de aproximação de algum agricultor junto ao maquinário do canteiro, um grupo de policiais se movia de forma intimidatória. A noite havia sido de cantos e oração. Embora apreensivo, o povo se mantinha otimista e animado. 

O tempo inteiro, o comando da polícia tentava, em vão, convencer as lideranças sindicais a retirar aquele povo todo  do canteiro de obras para depois serem recebidos. Mas a posição dos agricultores estava definida. Estavam cansados de conversar com a CHESF  sem que nada de concreto fosse resolvido. Entendiam que a conversa agora precisa ser em instância superior. Exigiam a presença do Ministro de Minas e Energia no canteiro de obras e estavam dispostos a permanecer acampados quantos dias fosse preciso, até serem atendidos.

A Chesf dava o silêncio como resposta.   Na imprensa, nenhuma nota sobre o assunto.

Texto de Paula Francinete Rubens de Menezes, baseado em entrevista de Vicente Coelho, concedida à autora em janeiro de 2018. 

Fotos a partir de vídeos produzidos pela TV VIVA, em arquivo do Polo Sindical

Petrolândia 113 anos, parabéns sem memória?

Usininha – Pioneira do Estado

Embora, excepcionalmente, também tenha iluminado as noites de novena do padroeiro de Petrolândia, numa época em que nenhuma cidade do Sertão Pernambucano tinha este privilégio, a usina , idealizada, em 1923, pelos engenheiros Francisco Brandão Cavalcanti e André Bezerra,  com a potência de 400 HP,  tinha como objetivo fornecer energia elétrica para fins de irrigação. 

No entanto, o projeto que previa a irrigação da margem do São Francisco de  Jatobá (Petrolândia)  a  Boa Vista (Sta.Maria da Boa Vista), com formação de colônias agrícolas e uma linha ferroviária até Rio Branco (Arcoverde),  malogrou por falta de recursos, uma vez que não obteve apoio do Governador Carlos Lima Cavalcante.

O empreendimento foi vendido à firma pernambucana  Agro Pastoril Mercantil, tendo iniciado a obra em 1931. Novamente o projeto, desta vez apresentado ao Governo Federal, não obteve apoio. Assim, em 1932 a obra foi novamente encerrada  por falta de recurso, apesar dos muitos apelos do jornalista Hildebrando de Menezes, que nos jornais da capital clamava pela grande oportunidade de desenvolvimento do Sertão. 

Somente em março de 1943 , no Governo Vargas, por iniciativa do seu ministro da Agricultura , Apolônio Sales, idealizador e posteriormente presidente da Chesf, os serviços foram tocados  para atender ao projeto do Núcleo Colonial de Barreiras . Uma usina de 1.000 HP foi instalada e em 1944 entrou em funcionamento e em 1950 a energia elétrica fornecida pela Usina chegava oficialmente às cidades de Tacaratu e Floresta. Antes disso, Petrolândia já havia sido agraciada pela iluminação pública, ligada no início da noite e desligada  ao amanhecer do dia ,manualmente, poste a poste.

Mas, a mini usina tinha uma característica interessante, a turbina vertical da antiga Cia Agro Fabril do são Francisco, aproveitada pelo Núcleo, havia sido instalada sem levar em conta o nível máximo do rio. Assim, quando o rio enchia muito a usina parava de funcionar.  Por outro lado, quando o rio estava baixo se fazia necessário desassorear o canal da Usina para fazer chegar a água até a turbina.  As interrupções no fornecimento de energia elétrica eram constantes e as cidades chegavam a ficar  sem fornecimento por até uma semana.  A solução definitiva para o problema somente viria  em  1955,  com a construção da Usina PA I, em Paulo Afonso, ano em que , sem condição de funcionamento  constante, a Usininha foi desativada. 

Pioneira no Estado, a Usininha passou a ser concessão da Chesf em 1965 e , em 1987, foi desmontada por ocasião da inundação da cidade pela barragem de Itaparica. De fundamental importância para a história de Petrolândia, e do setor elétrico do país,  suas peças hoje fazem parte do Museu da Energia , em Paulo Afonso, apesar de na época do desmonte  a Chesf anunciar que seriam destinadas ao Centro Cultural de Petrolândia. 

A ideia é fazer no próprio Centro Cultural da nova cidade , um ala especial contendo, não só as máquinas da usina, como também fotos e  depoimentos gravados de petrolandeneses sobre a mini-hidrelétrica e vídeos associando toda uma parte vinculando a um mercado que ela atendia”, afirmou ao Diário de Pernambuco, de 06.08.1987 ,Carlos Henrique Mariz, Diretor de Engenharia da Chesf, responsável pelo salvamento histórico-cultural da região a ser inundada.

Um dos depoimentos gravados é do comerciante José de Carvalho Alcântara, ou Zé Marcelino, como era conhecido. Não se sabe quantos outros foram colhidos  e nem onde se encontram essas relíquias. Sabemos apenas que , na celebração dos seus 113 anos, Petrolândia merecia muito  mais. Além de parabéns e festejos, merecia mais cuidado com sua memória.    

Por: Paula Francinete Rubens de Menezes , presidente do IGH Petrolândia

Os falsos amigos do proletariado

Do discurso proferido pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra, em visita ao Núcleo Colonial de Petrolândia, em 14.06.1947, publicado no DIÁRIO DE NOTICIAS (RJ), de 22.06.47.

Velha Matriz de São Francisco de Assis de Petrolândia

O prédio

A obra de construção da antiga Igreja Matriz de São Francisco de Assis teve sua pedra fundamental assentada,  em 1884,    como fruto da campanha missionária realizada pelos Frades Capuchinhos italianos na região, e contou  com o apoio dos representantes locais  da Estrada de Ferro,  inaugurada um ano antes.

Segundo os documentos da igreja, primeiro foram construídas a Capela-mor, duas sacristias e uma murada na qual se improvisou uma latada onde as celebrações aconteciam. 

A igreja só foi concluída em 1961, com a ajuda do Núcleo Colonial do São Francisco, quando foram edificados três altares e a cobertura da capela Mor.   No interior da igreja, ao fundo e ao alto entre as duas torres,  um coro com lastro e cercado de madeira abrigava a serafina.

Em 1970, sob  a batuta do Padre Cristiano , o Conselho de Leigos  concluiu a reforma do interior da matriz, que ganhou  espaço para o coral no altar lateral direito  e   para adoração do Santíssimo no altar  esquerdo.   

A parede frontal do altar decorada por   pedras “de fogo”, abundantes em Petrolândia, a cruz de Jatobá e os pés de troncos de angico da mesa, significavam a valorização dos elementos locais, sinal dos novos tempos da igreja pós Concílio Vaticano II. 

Em 1973, numa outra pequena reforma, as portas laterais foram fechadas  com cobogó “para evitar os passeios dos fumantes e conversadores”. A  escada e o coro de madeira foram desmanchados para evitar acidentes,  pela situação precária em que se encontravam. 

 Para movimentação livre das portas laterais, o batistério também  precisou  ser retirado e dois  janelões do presbitério foram substituídos por basculante, a fim de melhorar a ventilação. 

Logo depois, Padre José Maria , sucessor de Padre Cristiano, acrescentaria um canteiro de cactos à parede de pedras do altar e, em reforço aos símbolos da região,  construiria uma pia batismal de pedras no mesmo padrão.  

Antes da inundação foram retirados os sinos, as imagens, a cruz e os móveis. O mais repousa no fundo do lago de Itaparica.  

Referências

Livros Tombo da Paróquia de Petrolândia – PE

Relatório  anual dos capuchinhos , de 26.01.1885 ( trecho publicado no Diário de Pernambuco, edição 41, de 30.11.1885).

A hecatombe de Jatobá: versão inédita

É com satisfação imensa que publicamos novo relato sobre a tragédia de Jatobá com base em manuscrito original do Sr. Conrado Alves de Carvalho, sobrinho-neto de um dos protagonistas da trama, cedido ao IGH por seu filho Djalma Felix. Uma versão do caso sob a ótica daqueles que, em defesa da honra, decidiram matar e morrer.

(Conrado Felix, como era mais conhecido, é neto do Capitão Felinho= Felix Gomes de Carvalho)

Introdução

Segundo o escritor baiano Wilson Lins, o antigo chefe sertanejo é fruto  do isolamento do Sertão, que no deserto cinzento, abandonado sem  Deus e sem lei, para sobreviver precisava defender-se como podia. Era ele o “príncipe rude de um império sem códigos, guerreiro e juiz numa sociedade que construía suas bases sobre esqueletos insepultos de heróis e bandidos”.

A  hecatombe de Jatobá é o epilogo  sangrento de um desses embates em defesa da honra e do poder, tão comuns no Sertão do século XIX . Ela envolve respeitados chefes sertanejos da região de Jatobá de Tacaratu em um contexto que, em respeito à história, merece ser conhecido a partir de  múltiplos pontos de vista.  

Para entender o contexto veja: Violência e morte: a hecatombe de Jatobá

A história

Conrado é neto do Capitão Felix Gomes de Carvalho, irmão de Ignacio, poupado de ir à empreitada “por ser homem da calma” e porque tinha mais filhos e podia cuidar dos filhos daqueles parentes que não voltassem da luta. Ele cresceu ouvindo o seu pai contar esta história. Esta é , portanto, a história contada sob o ponto de vista de quem viveu de perto o desenrolar de toda a trama e teve a família atingida por ela. Vamos conhecer?

“Leitores prestem atenção, 

nestes versos que eu descrevo

 falando dos  casos velhos 

que se deram em nossos municípios. 

 Do orgulho e valentia dos antigos

 que morriam sem uma covardia,

 em cima da tirania 

se acabavam como os  gregos.”

(Conrado)

Transcrição do relato de Conrado

Sobre os principais protagonistas

 Ignácio Gomes de Carvalho, político liberal, vinculado aos liberais de Floresta (PE), exerceu interinamente o cargo de escrivão do juri  e execuções criminais da comarca de Tacaratu, onde também foi vereador e 3° suplente do Juizado Municipal. Em 1883 , foi nomeado Capitão da 4ª Companhia do 41º  Batalhão de infantaria do Serviço ativo da Guarda Nacional da Paróquia de Nossa Senhora da Saúde, na Comarca de Tacaratu.

Francisco Cavalcante de Albuquerque – Tenente-coronel da Guarda Nacional. Antigo chefe político conservador da comarca de Floresta, foi Juiz suplente e delegado da comarca de Tacaratu. Acusado, pelos índios, de desmandos na Aldeia Pankararu do Brejo dos Padres, assumiu para si a demarcação das terras indígenas.  Tentou fundar um partido Conservador em Floresta, predominantemente liberal,  sob os protesto do Cel. Francisco de Barros do Nascimento. Em 1874  é acusado do assassinato de Maria Francisca de Sá, de Floresta e se refugiou na cidade de Água Branca (AL). Em 1876 voltou para Tacaratu. Em seguida, assumiu o cargo de Juiz pelo afastamento do titular Bacharel Manoel José Mendes Bastos. No ano seguinte, sob a coordenação do novo juiz de direito , Antonio Domingos Pinto Júnior,  compõe a comissão de guarda e distribuição de gênero alimentícios  de Tacaratu para os desvalidos da seca, juntamente com  Francisco Vicente Vaspassos (do partido liberal). Em 1879, fez parte do abaixo assinado em favor da defesa da honra do mesmo juiz, contra o qual havia sido publicada matéria na 2ª pag. do jornal CORREIO DA NOITE, nr. 124, de 11.09.1879. Foi acusado de mandar prender Joaquim Barbosa de Souza Ferraz, chefe liberal, comandante da Guarda Nacional,  para que não interferisse  nas eleições.  (DP 14.07.1880)

Antonio Domingos Pinto Júnior – Em 1870, deixou a função de Promotor da Comarca de Pau Dalho e, indicado pelo partido conservador, tomou posse como deputado provincial de Pernambuco. Em 1874 toma posse como Juiz de Direito da Comarca de Tacaratu, época em que Ignácio Gomes de Carvalho era escrivão interino do juri. Por ocasião da grande seca de 1877,foi presidente da comissão encarregada de agenciar socorros para os indigentes do interior da Província de Pernambuco, da qual fazia parte o Coronel Francisco Cavalcante. Em 1881, toma posse como Juiz de Direito na comarca de Paulo Afonso, na época pertencente à província de Alagoas. Em 1885, é nomeado Chefe de Policia de Pernambuco. É responsável pela relatório policial sobre o desfecho da hecatombe de Jatobá.

Versão oficial

Por último publicamos a versão oficial da tragédia , através do relatório elaborado por Antonio Domingos Pinto Júnior, juiz responsável pela conclusão do inquérito policial.

Relatório Policial 1887 (PDF)

Manuscrito de autoria de Conrado

Manuscrito original de Conrado (PDF)

Paula Francinete Rubens de Menezes

Recife, 03.02.2022

Quando o Príncipe Luiz Augusto Maria Eudes de Saxe-Coburgo-Gota foi recebido em Várzea Redonda

Último porto do Baixo São Francisco acessível aos barcos vindos de Minas Gerais, em qualquer época do ano, o povoado de Várzea Redonda, distrito de Jatobá de Tacaratu (antigo nome de Petrolândia), no séc IX, recebeu o esposo da princesa Leopoldina, e seu irmão, com todas as honras. Hoje, o povoado encontra-se submerso nas águas do reservatório da barragem de Itaparica.

Na tarde de 04 de agosto de 1868, depois de uma longa viagem de dois meses pelo Rio São Francisco, desde Minas, chegaram ao porto de Várzea Redonda os príncipes Luiz Augusto, esposo da princesa Leopoldina, e seu irmão Felipe.  Tinham por objetivo conhecer as belezas da Cachoeira de Paulo Afonso, provavelmente influenciados pelos relatos do imperador, D. Pedro II, que a visitara em 1859.

Recebidos com todas as honras dispensadas à família real, à disposição deles já estava no porto uma cavalhada arreada, oferecida pela Companhia Militar Baiana. Descansaram dormindo no povoado e, no dia seguinte, às oito da manhã, seguiram   para a cachoeira, onde chegaram  na manhã do dia 06.  

Sem perder tempo, seguiram a pé, com um guia, para observar a cachoeira pela frente. Pisando nos rochedos, em meio a precipícios e abismos, com suas botas de montaria, arriscaram-se descer até à Furna do Morcego. Depois, subiram até Angiquinhos para observar a deslumbrante caída das águas da grande cascata de Paulo Afonso. 

Na volta, almoçaram em companhia do Major Calaça, do Povoado de Água Branca; do Dr. Tamarindo, Juiz de Direito da Comarca de Tacaratu;  do Sr Manoel Francisco Dantas, da Várzea Redonda e de outros. Em seguida, partiram para o Porto de Piranhas, chegando no dia seguinte, pela manhã, para embarcar no vapor São Francisco, com destino a Penedo. 

Segundo a imprensa da época, “desprendimento, coragem e elevado espírito humanitário foram as impressões deixadas pelos dois príncipes, que durante a viagem não se furtaram a distribuir ajuda aos necessitados que encontravam pelo caminho”.

Pesquisa: Paula Rubens

Fonte: JORNAL DE RECIFE (PE), edição 206, de 05.09.1868

Igreja semi submersa de Petrolândia

A presença dela em meio ao lago do reservatório sinaliza um lugar que foi destruído e que às pessoas que ali habitavam foi imposta a necessidade de refazer todo um modus vivendi.

Essa tem história

Em 1942, Petrolândia é contemplada, através do decreto lei nº 4.505, com a criação do Núcleo Colonial Agro-Industrial São Francisco, dentro do processo de instalação de colônias agrícolas nos diversos estados do país programado pelo governo Vargas. Este seria o primeiro assentamento realizado pelo Estado, em um perímetro irrigado, destinado à colonização de agricultores sem terra no Vale do Submédio São Francisco.

O Núcleo, a princípio, era formado por 100 lotes irrigados, de quatro hectares, contendo uma casa para abrigar a família de um trabalhador e outra para colono, que recebia semente, mudas e aves, além de assistência técnica e infraestrutura capaz de absorver a produção. O colono se obrigava a pagar o lote em 13 anos, com três de carência.

Compondo esse Núcleo funcionava fábrica de laticínios, charqueada, aviário com capacidade de criação de 400 mil aves, cujos os ovos eram comercializados nos grandes centros, fábrica de salsicha e linguiça, Usina beneficiadora de arroz e milho, Fabrica de doces e extrato de tomate, oficina mecânica, marcenaria, um Hospital Regional, clube social e escola, entre outros.

Esse projeto serviu também como piloto para as ações de reorganização do ensino rural do Brasil, visando o incremento na produção agrícola, estimulada pela Comissão Brasileiro-Americana de Produção de Gêneros Alimentícios, em convênio firmado durante o ministério de Apolônio Sales na pasta da agricultura do governo de Getúlio Vargas.

Em paralelo, em 1945, é autorizada a criação da Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco (CHESF), abrindo crédito para a organização da companhia e lhe outorgando concessão para aproveitamento da energia hidráulica do rio São Francisco, no trecho compreendido entre Juazeiro (BA) e Piranhas (AL).

Foi nesse contexto que a Igreja do Sagrado Coração de Jesus começou a ser construída. Projetada para um futuro de desenvolvimento, assim como foi no passado  com a Estrada de Ferro, o prédio assume contornos de Catedral e logo um pequeno centro comercial de forma em seu entorno.

Ocorre que, após o fim da era Vargas, a administração do Núcleo entra em crise por falta de continuidade dos programas ,em virtude das mudanças de governo e consequentes mudanças do órgão gestor responsável. Iniciada sob o comando da Comissão do Vale, a administração é transferida para a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUVALE, depois SUDENE e por fim CODEVASF.

 Obviamente essa descontinuidade também se refletiu na construção da igreja. Cessam os recursos públicos. As esposas dos colonos, principalmente, passam a promover ações de arrecadação de recursos a fim de tocar a obra. Rifas, festas e leilões são organizados a fim de arrecadar recursos. Desta forma conseguiram que o interior do templo ficasse em condições de realizar celebrações e o povo não precisasse mais se deslocar para a cidade a fim de realizar casamentos, batizados e outras atividades religiosas.

Mas o templo era grande, um projeto nada modesto. Sem a ajuda de recursos públicos, como no início, as obras se arrastaram lentamente até que, em 1970, a administração do Núcleo é avisada que nenhuma obra poderia ser continuada, em virtude da construção da Barragem de Itaparica. Foi como o anúncio de uma catástrofe.

Até 1970 as usinas hidrelétricas (UHES) Paulo Afonso I e II já estavam concluídas. De acordo com o estudo de aproveitamento do rio, além de Paulo Afonso ser um ponto estratégico devido à presença de quedas naturais de água, era preciso construir um reservatório acima (a montante) a fim de viabilizar ainda mais os setores produtivos ligados à industrialização. Foi então que rapidamente foi executado o projeto da barragem de Sobradinho que desalojou cerca de 70 mil pessoas com indenizações irrisórias através de um desastroso reassentamento mal planejado e sem a participação da população. Ciente das consequências sofridas pelo povo de Sobradinho, a população do submédio São Francisco começa a organizar-se na busca por seus direitos à terra. Disto, então, resultou a pressa da CHESF em construir Itaparica – coincidindo com o período do “milagre econômico”.

Os sindicatos foram trincheiras erguidas ou reerguidas para os primeiros momentos de organização. Garantir esses espaços de representação e institucionalidade era, a antes de tudo, garantir a existência das condições de luta. Não podemos perder de vista que estávamos sob os auspícios do AI-5 e que a ditadura, apesar de estar tendo problemas com o crash do “milagre”, permanecia todo-poderosa em termos repressivos.

A tarefa de fazer reuniões e construir sindicatos não correu como água. Além das homilias dos padres do lado da Bahia, a religiosa Josefina, sediada em Petrolândia, lançou mão de táticas ligadas ao cotidiano para abrir diálogos com o povo. Segundo ela mesma, uma das maneiras de se reunir fora dos sindicatos, pois esses eram vigiados e proibidos de fazer reuniões, era usar de certas manifestações religiosas.

A luta política e o verbo organizar misturavam-se às manifestações de fé que eram parte importante daquela cultura. As posições de Josefina com certo apoio da CPT e da Regional Nordeste II da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) davam autoridade para esses sujeitos se manterem em contado com sua pratica religiosa.

“A manifestação de fé que eu aproveitei muito delas mesmo era as novenas tinha novena em tudo que é comunidade… tinha um santo tinha novena em todas as comunidades e eu participava de todas porque não havia como ou o sindicato convidava as pessoas num momento em que o sindicato ainda não assumia não tinha mudado a diretoria o sindicato não assumia eles então ia comigo e ficava dentro do carro com medo” ( Josefina)

 Para Josefina, as novenas eram a princípio um lugar para pregar o Evangelho, mas com o passar do tempo as pessoas já associavam sua novena às questões políticas e organizativas.

Neste contexto, aqui temos um símbolo. As ruínas da Igreja simbolizam a resistência da memória de um município desterritorializado e reterritorializado, para além da destruição dos laços humanos ali tecidos, sendo a única construção remanescente do período.

Junto à igreja, sob aquele espelho d´água, há também, memórias de infância, de trabalho, reuniões , debates, embates e de outros modos de ser. Há, afogadas ali, salas onde se ouviram histórias, cozinhas que ajuntaram famílias. Sob aquele lago, marcado pela presença da Igreja do Sagrado Coração de Jesus onde foram batizadas gerações, jazem lugares de primeiros beijos, intrigas, começos e fins de amores. A presença dela em meio ao lago do reservatório sinaliza um lugar que foi destruído e que às pessoas que ali habitavam foi imposta a necessidade de refazer todo um modus vivendi, como antes vinculado ao rio, mas hoje relacionado às marcas deixadas em todos os atingidos por barragens mundo à fora.

Por isso é que, além da beleza da paisagem rara, tão importante para o desenvolvimento turístico de Pernambuco e do Brasil, chegando a figurar na internet entre as nove magníficas cidades submersas do mundo https://www.viajali.com.br/cidades-submersas-no-mundo/, o conjunto da paisagem que tem a Igreja como principal referência, perfeitamente enquadra-se na definição adotada pela UNESCO no que se refere à paisagem cultural “ilustrativas da evolução da sociedade e dos assentamentos humanos ao longo do tempo, sob a influência de condicionantes e/ou oportunidades físicas apresentadas pelo seu ambiente natural, e de sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, tanto externas quanto internas”. . . As ruínas da Igreja resistindo ao afogamento é memória de um modo de vida, história de luta, fé e resistência de um povo e diz muito sobre a história de desenvolvimento do Nordeste.

Assim, através do processo administrativo Secult nº 015/2020,de 11.01.2021, “em razão de sua importância histórica e simbólica”, a Fudarpe deferiu a proposta de tombamento apresentado pelo  do IGH de Petrolândia. Hoje a Igreja do sagrado Coração de Jesus encontra-se sob mesmo regime de preservação dos bens tombados de acordo com a legislação estadual, Lei nº 7.970/1979 e Decreto nº 6.239/1980.

Pesquisa:

Paula Rubens e Milena Gomes ( IGH – Petrolãndia )  

João Vitor ( MOVIMENTO RIO DE LUTAS – Paulo Afonso – BA)

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