A formação de um país unificado e integrado ao comércio internacional, a comunicação entre as províncias e destas para os portos e vice e versa , além da ocupação dos espaços demográficos vazios, se fazia cada dia mais necessário no Brasil Império .
Associadas às ferrovias, as bacias hidrográficas abundantes no Brasil, a baixo custo, serviam muito bem a este propósito, segundo experiências desenvolvidas em outros países. Assim, a fim de analisar a viabilidade desta malha de integração, o império formou um corpo de especialistas estrangeiros de alto conhecimento, com o objetivo de gerar subsídios às decisões do governo imperial.
Em virtude desses conhecimentos, muitos estudiosos elaboram planos de integração e muitos projetos foram apresentados no decorrer do império. Dentre eles o do engenheiro militar, sócio-correspondente do poderoso Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Eduardo José de Moraes, que sob o título “Navegação Interior do Brasil”, publica, em 1869, o que viria ser conhecido como o PLANO MORAES.
O plano, essencialmente hidroviário, visava a integração do país, envolvendo todas as províncias através de uma ampla rede de navegação fluvial e estradas. As estradas de ferro seriam alternativas para transpor a Serra do Mar e a Cachoeira de Paulo Afonso ou para ligar Rio de Janeiro, Salvador e Recife, principais centros influentes da época, à bacia do Rio São Francisco.
Entusiasmado com a idéia de desenvolvimento no interior do Brasil, Moraes sugere também a criação de uma Província, com sua capital nas margens do São Francisco. Ou seja, o equivalente hoje, provavelmente, a um Estado formado pelos municípios da Região Vale do São Francisco, tendo como capital uma das cidades ribeirinhas. E justificava:
“A criação desta província seria conveniente, porque, realizadas que fossem as obras do canal, ela se acharia consolidada, e a sua capital apta a desempenhar o importante papel a que era destinada, como o empório de todo o comércio do vale de S. Francisco”.
Por sua experiência, em 1880, Moraes é nomeado Engenheiro Chefe encarregado da construção da estrada de ferro que parte do porto de Piranhas (AL) à margem do rio São Francisco até Jatobá(PE). Esta estrada é denominada de Estrada de Ferro Paulo Afonso e foi construída pelo governo geral com o objetivo de contornar a cachoeira de Paulo Afonso e Itaparica, parte intransponível do rio entre o alto e baixo São Francisco.
A estrada de Ferro Paulo Afonso era parte de um projeto que previa a desobstrução do rio para torná-lo navegável desde Pirapora até a foz.
Iniciadas as obras da estrada de ferro houve uma corrida para compra de terrenos em Jatobá. Preocupado com a forma desordenada como a cidade cresceria, Eduardo de Moraes encaminha um projeto urbanístico elaborado por sua conta para o Ministério da Agricultura, ao qual as obras da ferrovia estavam subordinadas.
Na apresentação do projeto escreve:
“(…) que magníficas são as condições de situação de Jatobá, para poder tornar-se num futuro não remoto, uma opulenta cidade, por ser a chave da navegação e interposto obrigado de todo o comércio do grande vale do rio São Francisco, visto não possuir Piranhas as mesmas condições topográficas para se desenvolver e disputar-lhe a primazia”. ( Moraes, 1883)
Assim, em 1883, o engenheiro propõe uma cidade exageradamente grande para os padrões da região, coincidentemente dentro do padrão exigido pela Constituição de 1891, para a nova capital do País, sugerido pelo Visconde de Porto seguro: “ As ruas principais devem ser bem largas, ficando as duas linhas de casas na distância de 40 passos” (…) “marcar paragem para o gasômetro que terá de servir à iluminação” e ter área mínima de 14.400.000m².
A Jatobá de Eduardo de Moraes, foi projetada para uma área de área de 14.408,600m², formada por um grande retângulo limitado por avenidas e boulevars externos de 100m de largura, que delimitavam o centro e o subúrbio ( a separar nobre e plebeus?), contendo 12 quadras. Ao centro, ruas de 50 m de largura com canteiros arborizados destinada ao assentamento de carris de ferro, colocação de galerias de esgotos, encanamentos de água e gás, sem que seja necessário atrapalhar a passagem de pessoas e veículos, quando obras de construção ou manutenção fossem necessárias.
Ora, se o Plano Moraes defendia a interligação das bacias hidrográficas brasileiras, ali estava o início do principal ramal da rede hidroviária sonhada. Se o plano sugeria a criação da Província do São Francisco, ali bem poderia ser o começo. Uma província precisa de uma capital. Assim sendo, por que não planejá-la de modo a evitar os problemas das demais? Não sendo assim, que motivos teriam levado Eduardo Moraes a planejar uma cidade, no Sertão Nordestino, tendo como referência a cidade do Rio de Janeiro, então Capital do Brasil?
Apenas dois anos depois de inaugurada a Estação de Jatobá, mesmo sem a desobstrução do rio, o comércio entre o alto ( de Pirapora a Sobradinho) e baixo São Francisco ( de Sobradinho à foz) desenvolveu-se graças ao uso de barcos à vela. Transportados de Piranhas por trem para o porto de Jatobá, em tempos de cheia do rio elas conseguiam circular com razoável segurança, visto serem mais adequados para enfrentar as corredeiras. Era uma alternativa até as obras serem iniciadas.
No entanto, sob influência de políticos baianos, as obras que deveriam ter sido iniciadas a partir de Jatobá, começam ao contrário, por Juazeiro.
A imprensa da época denunciava o interesse da Bahia, interessada no prolongamento da estrada de ferro Salvador-Juazeiro, de atrapalhar o projeto. Sem desobstrução as mercadorias seguiam de trem pela Bahia e depois por terra até o ponto onde já havia os trabalhos de desobstrução.
A falta de conclusão das obras do rio, de fato, acabaram prejudicando os resultados financeiros da estrada de ferro Paulo Afonso e o desenvolvimento do sertão pernambucano. O certo é que a disputa pelo prolongamento das estradas de Ferro da Bahia e de Recife ao São Francisco , tiram o foco e os recursos das obras de desobstrução do rio.
É inegável como o comércio da região de Jatobá desenvolveu-se a partir da estrada ferro, mas a falta de melhoramentos do rio inviabilizou a hidrovia . E assim, o corredor comercial de Minas ao mar que abriria as portas do sertão para o mundo, de fato não se concretizou.
Portanto, a cidade opulenta , quiçá capital da Província do São Francisco, idealizada pelo engenheiro Eduardo José de Moraes, ficou apenas no papel e no sonho.
Pesquisa: Paula Rubens
BIBLIOGRAFIA
Jornal O TRABALHO , em sua edição 666, de 23.10.1896,
MOARES, Eduardo de – NAVEGAÇÃO INTERIOR DO BRASIL – Rapido esboço da futura rede geral de suas vias navegáveis, Rio de Janeiro : Typ. Montenegro, 1894. https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/185610 /http://expagcrj.rio.rj.gov.br/eduardo-jose-de-moraes/ em 19.03.2020
Varnhage’n, Francisco Adolpho de ( Visconde de Porto Seguro) – A QUESTÃO DA CAPITAL: MARÍRIMA OU INTERIOR? – Viena-Austria – Edição do autor.-1877.
– MEMORIAL ORGÂNICO : (uma proposta para o Brasil em meados do século XIX) ; com ensaios introdutórios de Arno Wehling. – Brasília : FUNAG, 2016. http://funag.gov.br/biblioteca/download/1170-MEMORIAL-ORGANICO_FINAL.pdf